A segunda temporada do podcast “Supremo na semana” estreia neste sábado (5) com uma entrevista com o juiz criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) Fábio Esteves, que há dois anos atua como juiz auxiliar no gabinete do ministro Edson Fachin.
Negro, homossexual e de origem pobre, ele fala, entre outros pontos, sobre a importância da implementação de ações afirmativas para combater os preconceitos e as desigualdades, e de sua trajetória até chegar a juiz auxiliar do Supremo Tribunal Federal (STF).
O episódio de retomada do podcast marca ainda a participação da advogada Thais Faria, consultora da Rádio Justiça, como comentarista. Ela explica as principais decisões da semana e fala um pouco das expectativas para os próximos dias na Suprema Corte.
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Juiz auxiliar do ministro Fachin
Cedido ao Supremo Tribunal Federal há dois anos, Fábio Esteves narra que estar no gabinete do ministro Fachin é uma oportunidade de aprendizado, mas também possibilita que suas iniciativas na área social tenham maior visibilidade e sejam mais transformadoras. Sua função é a de municiar o ministro com pesquisas, pontos de vista distintos e reflexões sobre determinados temas para que ele profira seus votos.
Esteves foi ganhador do prêmio “Desafio Lideranças Públicas Negras” por ser um dos idealizadores do Encontro e o Fórum Nacional de Juízes e Juízas Negros. Desde 2017, a iniciativa reúne integrantes da magistratura visando discutir os impactos do racismo no Poder Judiciário e disseminar políticas para aumentar o número de magistrados negros, atualmente 12% do total, em um país em que 56% da população é negra.
Nascido em uma cidade do interior no Mato Grosso do Sul, o magistrado relata que teve sua formação integralmente em escolas públicas, do ensino fundamental à universidade. A escola rural que frequentou foi construída a pedido de seu pai, um agricultor analfabeto, mas que conhecia o valor da educação. Como era longe de casa, teve que morar na escola por um período para não perder aulas.
Trabalho social em prol da cidadania
Há 11 anos desenvolve no Distrito Federal uma ação social que leva a jovens carentes de escolas públicas uma formação em cidadania para dar a essas pessoas uma visão de seu papel no mundo e de como o Direito as constitui cidadãs. Mais de 10 mil pessoas foram beneficiadas pela ação, que já se espalha por quatro estados. “A educação continua sendo-me um motor que consegue mover todas as coisas que a gente conseguir ver como possíveis para modificar a vida das pessoas”, disse.
Esteves conta que, desde que entrou na universidade, tinha como objetivo se tornar juiz. Na magistratura, escolheu a área criminal para ter maior contato com o “tecido social”, o que o levou a desenvolver ações educativas dentro e fora do judiciário para promover um pensamento anti-racista e voltado para a redução de desigualdades.
Ainda que não tenha sido beneficiado por nenhum programa de cotas, ele defende a iniciativa como fundamental para reduzir a desigualdade. Segundo o magistrado, a reserva de vagas para pessoas negras é um instrumento que necessita de aperfeiçoamento, faz com que as pessoas negras se aproximem um pouco da igual oportunidade. Ele lembra que ainda há problemas em relação à permanência na universidade e de acesso ao mercado de trabalho, que age em uma lógica racista.
“As ações afirmativas são indispensáveis. Em um país como o nosso, depois de 350 anos de escravidão, 130 anos [de abolição] que não teve nenhuma política para garantir à população negra igualdade de oportunidades, ação afirmativa é uma gota d’água num incêndio”, sustenta.
Ele considera que a população carcerária brasileira, que atualmente tem 67% de pessoas negras, é um reflexo do racismo. Aponta, por exemplo, que uma pesquisa do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) mostra que homens negros são presos e condenados por tráfico de drogas ao passo que um homem branco com a mesma quantidade é considerado usuário.
O magistrado observa que a legislação brasileira é racializada, impondo diversas formas de barreiras à população negra. Ele lembra que o Código Penal de 1890 criminalizava especificamente a população negra, proibindo, por exemplo, a prática da capoeira, o curandeirismo, um subterfúgio para proibir as religiões de matiz africana, e estar desempregado era classificado como vadiagem. “O Brasil trouxe imigrantes para ocupar o lugar das pessoas negras recém-libertadas e criminalizava quem não trabalhasse”, conta.
Sobre a carreira como juiz criminal, Esteves afirma que nessa área é necessário gostar genuinamente de pessoas e compreender ser preciso ter disposição e empatia. Ele explica que, mesmo que as pessoas acessem o judiciário com problemas, conflitos, perdas ou esperanças que nem sempre serão correspondidas, é necessário ter disposição e empatia. “Aqui há essa responsabilidade com pessoas. É preciso olhar para esse universo de pessoas que são majoritariamente vulneráveis”, concluiu.