Por Reinaldo Azevedo

O Ministro Mandetta é exonerado por Jair Bolsonaro após entrevista a Globo

Mandetta é mandado embora pelo presidente após entrevista exclusiva à emissora que faz críticas ao seu governo

 

O ministro Luiz Henrique Mandetta já deixou claro que, na prática, está fora do Ministério da Saúde. Segundo o que se pôde perceber nesta quarta-feira, aguarda apenas que o presidente da República escolha o substituto para que possa fazer a transição. Parece-me correto e responsável de sua parte que não saia batendo a porta, considerando o que está em jogo. E o homem pode se preparar: vem por um aí uma tempestade de acusações para demolir a sua reputação.

“Ah, Mandetta provocou a própria demissão quando concedeu aquela entrevista ao Fantástico”. Pode ser. Mas prefiro pôr a coisa em outros termos: quando, numa visita a um canteiro de obras de um hospital de campanha para atender a doentes do coronavírus, o presidente da República promove aglomeração de pessoas e faz pouco caso do isolamento social — e isso nas barbas do ministro, que o acompanhava no evento —, bem, parece que o chefe atua para desmoralizar o subordinado.

Ou não foi isso o que fez Bolsonaro em Águas Lindas, em Goiás, no sábado passado, afrontando, adicionalmente, o governador Ronaldo Caiado (DEM), que é médico e sabidamente defensor do isolamento social? “Ah, mas a entrevista foi a melhor resposta?” Cada um julgue a seu modo. Eu, pessoalmente, a considerei adequada porque só havia ali uma alternativa: o pedido de demissão. Ou o ministro passaria a imagem de quem está coonestando um comportamento que ele mesmo condena.

Ademais, não venham me dizer que a convivência se tornou impossível a partir dali. Já era. De resto, é preciso respeitar a história, os fatos. Em entrevista à VEJA, Mandetta confirma que aguarda apenas a indicação do substituto e diz que não há como ficar porque “são 60 dias de batalha, e isso cansa”.

Sessenta dias? Ele explica:
“Sessenta dias tendo de medir palavras. Você conversa hoje, a pessoa entende, diz que concorda, depois muda de ideia e fala tudo diferente. Você vai, conversa, parece que está tudo acertado e, em seguida, o camarada muda o discurso de novo. Já chega, né? Já ajudamos bastante”.

Quem conhece Bolsonaro sabe que isso define a relação com ele. Vale também para os ministros militares que atuam no Planalto. Já chegou a fazer pronunciamento em cadeia de rádio e TV cujo conteúdo era conhecido apenas por Carlos Bolsonaro e pelo chamado “Gabinete do Ódio”. O chefe da Casa Civil, general Braga Netto, não sabia de nada.

No dia 28 de março, um sábado, o ministro Gilmar Mendes esteve com o presidente a pedido deste. Quem agendou a conversa informal foi André Mendonça, advogado-geral da União. A opinião expressa pelo ministro já é pública. Recomendou ao presidente que evitasse o caminho da judicialização, alertando que o momento pedia uma convergência de esforços dos Três Poderes da República, em consonância com os governadores.

Que se saiba, o presidente não objetou nem evidenciou resistência ao que ouvia — até porque era a opinião de outros presentes. É possível que o ministro tenha saído de lá com a impressão de que o batepapo fora produtivo. No dia seguinte, Bolsonaro saiu desfilando por Brasília, provocando aglomerações e falando contra o isolamento social. Pouco depois, chegou a aventar a possibilidade de determinar a retomada da normalidade econômica por intermédio de um decreto.

Mandetta, os ministros palacianos, Mendes… Uma coisa é o que Bolsonaro combina com interlocutores; outra é o que faz num rompante. Ainda que se imagine haver cálculo naquilo tudo, pergunta-se: para quê? Sim, Mandetta é um político e é possível que pense um futuro para si mesmo. É curiosa certa linha de argumentação que se ouve e se lê aqui e ali: “Ah, o ministro é político; João Doria é político… Atuam pensando também no seu futuro…” É mesmo? Se estiverem contribuindo para salvar vidas, de acordo com os protocolos da ciência, que mal há nisso? Ou terá a política se transformado num monopólio de Jair Bolsonaro? E, no caso, com a consequência indesejada de espalhar o vírus.

É possível que erros de Mandetta venham à tona. Mas ninguém com um mínimo de honestidade intelectual pode deixar de reconhecer que Bolsonaro não o está demitindo em razão dos seus defeitos. O que derrubou o ministro foram as suas qualidades. Abraham Weintraub é a prova de que incompetência e indigência intelectual não derrubam ministro, certo?


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