Para Pequim poucas questões são mais importantes do que a segurança alimentar. Durante séculos, os governos enfrentaram o desafio de alimentar uma população grande e em expansão.
Secas, inundações e fomes aparecem com destaque em toda a história da China – e rebeliões lançadas por camponeses famintos derrubaram várias dinastias imperiais.
A última tentativa do governo de afastar as preocupações sobre preços e oferta parece estar saindo de controle.
Uma carta sobre o estoque de alimentos do Ministério do Comércio da China gerou pânico de compra entre o público e especulações online frenéticas na última semana.
Aparentemente, o aviso não parece muito diferente das diretrizes típicas que o governo chinês enviou no passado, enfatizando a necessidade de aumentar o abastecimento.
O texto ordena às autoridades locais que garantam que seus cidadãos tenham um “suprimento adequado” de produtos essenciais neste inverno.
Ordena os governos a manter os custos dos alimentos estáveis – um ponto de preocupação nas últimas semanas, pois o clima extremo, a escassez de energia e as restrições da Covid-19 ameaçam o fornecimento.
As instruções da segunda-feira (1º) atraiu a atenção dos chineses como poucos outros avisos do governo fizeram.
Porque em parte inclui linguagem rara sobre a necessidade de as autoridades locais encorajarem as famílias a estocarem as “necessidades diárias”. Muitos interpretaram como um aviso pessoal.
O governo “não nos disse para estocar produtos nem quando o surto de Covid começou no início de 2020”, escreveu um usuário do serviço Weibo, app semelhante ao Twitter.
A ação aumentou desde então. Um vídeo postado no Weibo pela revista estatal China News Weekly mostrou longas filas de compradores em supermercados em Changzhou, uma cidade na província de Jiangsu.
Seus carrinhos estavam cheios de produtos e outros suprimentos empilhados, enquanto as prateleiras das lojas estam vazias.
Questão delicada no país
A comida é uma questão muito delicada na China. A Grande Fome Chinesa durante as décadas de 1950 e 60 levou à morte cerca de dezenas de milhões de pessoas. A tragédia permanece na memória de muitos no país.
Mesmo a economia da China tendo passado por uma transformação dramática, as preocupações com a segurança alimentar persistem: o governo, por exemplo, revelou recentemente um “plano de ação” encorajando as pessoas a não pedirem mais comida do que precisam e a denunciar restaurantes que desperdiçam comida.
O desconforto causado pelo aviso do Ministério do Comércio foi extraordinariamente intenso.
Especulações desenfreadas vincularam o pedido de estoques de alimentos às tensões crescentes entre Pequim e Taipei. A China considera Taiwan uma “parte inseparável” de seu território, embora o Partido Comunista Chinês nunca tenha governado a ilha autônoma.
Porém, não há, absolutamente nada para demostrar que os rumores de que a China está se preparando para uma guerra iminente seja infundada.
O pânico online sugere alguma tensão crescente, de acordo com Willy Lam, professor adjunto do Departamento de História da Universidade Chinesa de Hong Kong.
“É um reflexo da situação geopolítica tensa entre a China e os países vizinhos”, disse ele.
Lam também apontou várias preocupações econômicas que podem estar contribuindo para a turbulência.
A crise energética deste ano forçou as fábricas a suspenderem parte da produção e provocou apagões nas residências – problemas que em alguns casos “aconteceram sem qualquer aviso prévio do governo”, disse ele.
“Isso reflete a ansiedade das pessoas em relação a novos aumentos drásticos nos [custos] dos alimentos e também a desconfiança do governo”, acrescentou Lam.
O governo chinês e alguns meios de comunicação estatais tentaram acalmar os temores sobre a escassez de alimentos.
Zhu Xiaoliang, funcionário do Ministério do Comércio, disse à emissora estatal CCTV esta semana que há suprimentos suficientes. Zhu enfatizou que as orientações se destinam às autoridades locais.
O Departamento de Gerenciamento de Emergências de Jiangsu, por sua vez, reconheceu preocupações sobre “suprimentos de emergência” em sua conta no WeChat na terça-feira (2). Mas a agência disse que quaisquer recomendações para estocagem são “normais” e têm como objetivo “melhorar a consciência do público sobre a prevenção de desastres”.
O compromisso do governo com uma política de Covid zero – mesmo com os países ao redor do mundo reabrindo e aprendendo a viver com o coronavírus – também é um fator.
Apenas um único caso pode levar as autoridades chinesas à ação, bloqueando áreas inteiras e realizando testes em massa ou solicitando quarentenas.
Essas medidas “provavelmente afetarão residentes que vão às lojas e também o horário de funcionamento dos mercados”, disse Chenjun Pan, analista sênior do Rabobank que pesquisa agricultura na China.
Wang Hongcun, funcionário do Departamento de Comércio Municipal de Pequim, reconheceu na semana passada que medidas rígidas de contenção podem contribuir para o aumento do custo dos alimentos, acrescentando que o custo da movimentação entre as regiões pode aumentar.
Ele destacou que os preços de algumas hortaliças na capital do país subiram 50% ou mais em outubro.
Lam disse que Pequim também não deve mudar de rumo, o que significa que as cidades precisam se preparar para suportar bloqueios potencialmente longos enquanto o governo tenta manter baixa a contagem de casos de coronavírus.
“Esta é uma preparação para o fato de que essas condições de bloqueio continuarão, embora, em geral, os números totais para a China sejam realmente muito baixos em comparação com outros países”, acrescentou.
“É improvável que Pequim pare com essa política de tolerância zero. ”
Fonte: CNN Brasil